
A Internet tem se reafirmado constantemente como o principal meio de comunicação da atualidade, atestando a sua ubiquidade e o alto grau de dependência que promove às sociedades e economias contemporâneas. Sendo um elemento de alta criticidade para nações do mundo todo, a Internet se baseia em várias estruturas físicas que são essenciais para sua operação, sendo as mais importantes os cabos de comunicação de fibra óptica terrestres e submarinos [1].
O presente artigo visa investigar como a estrutura de telecomunicações de um país se relaciona diretamente a tópicos de soberania nacional, destacando-se, além da importância da infraestrutura de cabos de fibra óptica na rede mundial de telecomunicações [1], a importância da infraestrutura de satélites para o mesmo propósito [2] e a importância da conjunção de ambos.
2 A RELAÇÃO ENTRE ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO ESTADO E A INFRAESTRUTURA DE TELECOMUNICAÇÕES
2.1 SOBRE O CONCEITO DE SOBERANIA NA ERA DIGITAL
Ranieri (2013) elenca que a soberania e o território são dois dos elementos constituintes do Estado. Segundo Takeshita (2019) ressalta a pertinência de se relacionar diretamente tópicos de soberania nacional com a segurança e o controle exercidos sobre suas infraestruturas críticas, a exemplo das infraestruturas de energia, telecomunicações, transporte e sistemas de informação.
Soberania é o que confere supremacia política e jurídica aos Estados em cada um dos seus respectivos territórios, atuando cada um destes entes políticos em igualdade perante os seus pares na comunidade internacional [3]. Significa, assim, que Estados soberanos têm autonomia na forma como buscam administrar seus assuntos internos e, consequentemente, aos demais países cabe o reconhecimento desta autonomia [4].
Território, por outro lado, refere-se à base física, ao espaço de fato que um Estado ocupa. É onde se manifesta a soberania e onde um determinado Estado submete tudo e todos que se encontrarem no território estatal às suas normas [3].
Na atual era digital, a soberania tem estado sob forte pressão, visto que a disrupção das tecnologias digitais apresenta incompatibilidades com noções tradicionais de soberania e fronteiras territoriais. Quanto ao conceito de território na era digital, este tem sido amplamente expandido em seu significado e um país que não tem um conceito de “território digital” bem definido, ou que não apresenta uma infraestrutura de telecomunicações de qualidade em seu território, corre o risco de ter o seu poder econômico reduzido [4].
2.2 A IMPORTÂNCIA DOS CABOS SUBMARINOS PARA O FORNECIMENTO DE INTERNET
Os cabos submarinos têm sido utilizados como uma parte do sistema internacional de telecomunicações, interconectando cidades, regiões e continentes. São construídos pelas operadoras de telecomunicações de acordo com as previsões de demanda do tráfego de comunicação [5]. Como a maioria dos projetos de cabos submarinos são propriedades de entidades privadas com fins lucrativos, os fatores econômicos geralmente são os argumentos fundamentais para explicar as estruturas da rede de telecomunicações, como é o caso da infraestrutura da Internet, cuja distribuição por todo o mundo ainda é desigual e inclinada para os países ricos [6].
Embora as implantações iniciais da rede submarina datem de meados do século XIX, a recente explosão do tráfego da Internet levou a um crescimento exponencial da capacidade total desta infraestrutura submarina, com uma extensão total de malha de mais de um milhão de quilômetros de cabos ópticos no fundo dos oceanos, além de estimativas indicando que 98% – 99% de todos os dados internacionais têm sido transportados por esta rede de cabos [7].
Na década de 1990, ocorreu uma desregulamentação mundial do setor de telecomunicações, o que produziu muitas novas operadoras e usuários das estruturas submarinas [5], além de se ter iniciado um processo paulatino de padronização por órgãos como a União Internacional de Telecomunicações [7]. Concomitantemente, houve um aumento sem precedentes no tráfego internacional, impulsionado pela Internet e pela introdução das tecnologias de fibra óptica (DWDM, ou, Dense Wavelength Division Multiplexing). Essas mudanças alteraram consideravelmente os sistemas de cabos submarinos, especialmente seu aspecto de rede [5].
Malecki e Wei (2009), Chesnoy (2015) e Takeshita et al. (2019) atestam algumas vantagens na utilização de uso de cabos submarinos de fibra óptica, como por exemplo: oferecem alta confiabilidade, garantida por 25 anos de vida útil do projeto e pelo silêncio e baixa perturbação das profundezas do oceano; baixo custo de tráfego, ou seja, o custo proporcional do link submarino é apenas alguns pontos percentuais do custo total da comunicação; baixa latência do tráfego e baixo custo ecológico.
2.3. A IMPORTÂNCIA DOS SATÉLITES PARA O FORNECIMENTO DE INTERNET
Florenzano (2008) reforça a importância dos satélites para o fornecimento de Internet e outros serviços de comunicação ao explicar que estes são responsáveis por transmitir chamadas telefônicas, mensagens e dados de Internet em tempo real para qualquer lugar do mundo. Desta forma, os satélites tornaram-se essenciais para promover uma cobertura global de conectividade, especialmente em regiões remotas, onde a infraestrutura baseada em cabos de fibra óptica é economicamente inviável [10].
Atualmente, os satélites de telecomunicação operam principalmente em três tipos de órbitas: geoestacionária (GEO), média (MEO) e baixa (LEO), cada uma com características específicas. Os satélites GEO permanecem fixos em relação à Terra a aproximadamente 38.500 km de altitude, oferecendo ampla cobertura, mas com maior latência, o que os torna mais adequados para TV e comunicações de voz. Os satélites MEO, localizados entre 3.000 km até a órbita do GEO, equilibram latência e área de cobertura, sendo comuns em sistemas de navegação como o GPS. Já os satélites LEO, orbitando entre 200 e 3.000 km de altitude, destacam-se por sua baixa latência e são ideais para serviços de internet de alta velocidade e tempo real [11].
A crescente utilização de satélites em serviços de Internet, no entanto, também tem ensejado questões urgentes sobre regulamentação e soberania nacional. Segundo Gur e Kulesza (2024), a dependência de constelações de satélites controladas por empresas públicas ou privadas não-nacionais compromete a autonomia digital dos Estados, particularmente das nações em desenvolvimento; isto porque a infraestrutura espacial passa a ser dominada por poucos atores com poder econômico e tecnológico, gerando desigualdades no acesso à conectividade e riscos à segurança nacional.
Assim, a concentração de poder nas mãos de empresas como SpaceX, Telesat e OneWeb, cujas constelações LEO já somam inúmeros satélites ativos ou planejados, acirra disputas por espectro e órbitas [11]. É a partir dessa dinâmica, sobretudo das forças públicas e privadas envolvidas, que a banda larga via satélite se tornou parte da complexa interação de interesses geográficos e políticos que definem a geopolítica da atualidade, o que amplia também os desafios políticos e técnicos ligados à Governança Global da Internet [12].
Iniciativas como, por exemplo, o lançamento pela China do projeto Guowang para competir diretamente com o Starlink (projeto desenvolvido pela empresa americana SpaceX) demonstram que, além da conectividade, o domínio sobre a infraestrutura espacial representa um novo campo de disputas nas dinâmicas de poder global [13].
2.4. COMPARATIVO PRELIMINAR ENTRE A ADOÇÃO DE CABOS SUBMARINOS E A ADOÇÃO DE SATÉLITES NAS TELECOMUNICAÇÕES
A partir de 2015, a capacidade instalada em um cabo submarino aumentou em mais de 20 vezes, levando a uma capacidade próxima de 20 Tbit/s por par de fibra em um cabo transatlântico. Esta capacidade, sendo várias dezenas de vezes do que pode alcançado por um satélite, atesta a dificuldade de competição com os cabos submarinos, os quais possibilitam todos os desenvolvimentos baseados na Web que conhecemos atualmente [7]. Franken et al. (2022) argumentam que a tecnologia alternativa da Internet baseada em satélite, que poderia, em teoria, ser acessada em todo o mundo, ainda está longe de ser capaz de transmitir a quantidade necessária de dados para compensar uma estrutura de cabos de fibra óptica submarinos.
Malecki e Wei (2009) salientam que, por um breve período após a entrada em operação dos satélites de telecomunicações na década de 1960, o futuro das telecomunicações parecia estar na tecnologia de satélite. De 1965 a 1988, os satélites forneceram quase dez vezes a capacidade dos cabos telefônicos submarinos por quase um décimo do preço, porém, durante o período de 1999-2009, os cabos ultrapassaram os satélites, em parte porque eles podem ser de propriedade das operadoras de telecomunicações, enquanto a capacidade dos satélites é meramente alugada.
Tanto os satélites quanto os cabos de fibra óptica fornecem comunicação de longa distância, mas seus impactos são bem diferentes. Satélites, por serem capazes de transmitir para qualquer receptor terrestre, criam uma rede mais dispersa e equitativa, enquanto que os cabos de fibra óptica exigem links físicos e são de natureza ponto a ponto. Em geral, a capacidade de distribuição ponto a multiponto dos satélites é incomparável a dos cabos submarinos e terrestres, de forma que os satélites continuarão a desempenhar um importante papel nas transmissões de rádio e TV, nas teleconferências de vídeo, na verificação de cartões de crédito e na coleta e monitoramento remoto de dados [8].
3. CONCLUSÃO
Não obstante a estrutura de telecomunicações releve uma importância crucial dos cabos de fibra óptica neste contexto, a relevância crítica da Internet via satélite não pode ser ignorada sob nenhum aspecto. Conforme se atestou em evento recente, em que a ocorrência do blackout que atingiu a península Ibérica no mês de abril de 2025 promoveu uma severa interrupção do fornecimento de eletricidade – gerando caos em transportes e telecomunicações –, o serviço de Internet via satélite Starlink registrou um aumento de 35% em seu uso quando a cobertura de telecomunicações na região citada ficou comprometida [14].
Tal episódio evidenciou que, além de promover a inclusão digital de áreas remotas em termos geográficos, a Internet via satélite representa uma camada adicional de segurança e resiliência frente a crises naturais ou geopolíticas, uma vez que pode possibilitar a manutenção da conectividade, ainda que em partes, frente a eventos extremos. A adoção de estruturas híbridas no setor de telecomunicações se torna, assim, um elemento estratégico para a consolidação da soberania nacional, sobretudo diante da crescente dependência de infraestruturas críticas e da vulnerabilidade associada ao ciberespaço.
4. REFERÊNCIAS:
[1] FRANKEN, Jonas; REINHOLD, Thomas; REICHERT, Lilian; REUTER, Christian. The digital divide in state vulnerability to submarine communications cable failure. International Journal Of Critical Infrastructure Protection, v. 38, p. 100522, 2022. Elsevier BV. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.ijcip.2022.100522. Acesso em: 28 jun. 2025.
[2] FLORENZANO, Teresa Gallotti. Os satélites e suas aplicações. São José dos Campos: SindCT, 2008.
[3] RANIERI, N. B. S. Teoria do Estado: do Estado de Direito ao Estado Democrático de Direito. – Barueri, SP: Manole, 2013.
[4] TIMMERS, Paul. Sovereignty in the Digital Age. Introduction To Digital Humanism, p. 571-592, 2023. Springer Nature Switzerland. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1007/978-3-031-45304-5_36. Acesso em: 28 jun. 2025.
[5] YAMAMOTO, Shu; MIYAZAKI, Tetsuya. Submarine Networks. In: WDM Technologies. Academic Press, 2004. p. 141-187.
[6] FRANKEN, Jonas; REINHOLD, Thomas; DÖRNFELD, Timon; REUTER, Christian. Hidden structures of a global infrastructure: expansion factors of the subsea data cable network. Technological Forecasting And Social Change, v. 215, p. 124068, 2025. Elsevier BV. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.techfore.2025.124068. Acesso em: 28 jun. 2025.
[7] CHESNOY, J. Presentation of submarine fiber communication. In: CHESNOY, José (Ed.). Undersea fiber communication systems. Academic press, 2015.
[8] MALECKI, Edward J.; WEI, Hu. A Wired World: the evolving geography of submarine cables and the shift to asia. Annals Of The Association Of American Geographers, v. 99, n. 2, p. 360-382, 2009. Informa UK Limited. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1080/00045600802686216. Acesso em: 28 jun. 2025.
[9] TAKESHITA, Hitoshi; SATO, Masaki; INADA, Yoshihisa; GABORY, Emmanuel Le Taillandier de; NAKAMURA, Yuichi. Past, Current and Future Technologies for Optical Submarine Cables. 2019 Ieee/Acm Workshop On Photonics-Optics Technology Oriented Networking, Information And Computing Systems (Photonics), p. 36-42, 2019. IEEE. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1109/photonics49561.2019.00011. Acesso em: 28 jun. 2025.
[10] PRATT, T.; ALLNUTT, J. E. Satellite communications. 3. ed. Wiley, 2019.
[11] HU, Yurong; LI, V.O.K. Satellite-based Internet: a tutorial. IEEE Communications Magazine, v. 39, n. 3, p. 154-162, 2001. Institute of Electrical and Electronics Engineers (IEEE). Disponível em: http://dx.doi.org/10.1109/35.910603. Acesso em: 28 jun. 2025.
[12] GUR, Berna Akcali; KULESZA, Joanna. Equitable access to satellite broadband services: challenges and opportunities for developing countries. Telecommunications Policy, v. 48, n. 5, p. 102731, 2024. Elsevier BV. http://dx.doi.org/10.1016/j.telpol.2024.102731. Acesso em: 28 jun. 2025.
[13] CHEN, Yan; MA, Xin; WU, Chaonan. The concept, technical architecture, applications and impacts of satellite internet: a systematic literature review. Heliyon, v. 10, n. 13, p. e33793, 2024. Elsevier BV. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.heliyon.2024.e33793. Acesso em: 28 jun. 2025.
[14] JOHNSTON, Ian.Spanish electricity blackout drives use of Elon Musk’s Starlink. Publicado em The Financial Times em 04 mai. 2025. Disponível em: https://www.ft.com/content/c0e5dfa1-7543-4fb9-b46f-0c677e468e2b. Acesso em: 28 jun. 2025.



