O Apagão Ibérico de 2025 e o desafio da resiliência no Brasil

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A crise expôs vulnerabilidades não apenas do setor energético, mas também da infraestrutura de telecomunicações, com destaque para os sistemas de Internet.

No dia 28 de abril de 2025, um apagão de grandes proporções atingiu os sistemas elétricos da Espanha e de Portugal, resultando em um colapso significativo das redes de telecomunicações nesses países. Além de Espanha e Portugal, o blackout também afetou Andorra e partes da França. A intempérie na Espanha chegou a comprometer a telefonia móvel local, conexões de fibra óptica e, em algumas regiões como a Catalunha, até o abastecimento de água. Diante da gravidade da situação, a Espanha chegou a declarar estado de emergência [1, 2]. A região Ibérica já enfrentou interrupções em sua rede elétrica, mas o apagão de 28 de abril de 2025 foi o maior já registrado, deixando grande parte da Península Ibérica sem energia por horas [3].

A crise expôs vulnerabilidades não apenas do setor energético, mas também da infraestrutura de telecomunicações, com destaque para os sistemas de Internet. Este artigo visa, então, com base nos cenários entre Espanha e Brasil, relacionar as causas e consequências do colapso ibérico, analisando a resiliência das infraestruturas de telecomunicações e propondo reflexões críticas sobre segurança digital e soberania nacional.

2 O APAGÃO IBÉRICO DE 2025 E SEUS IMPACTOS NAS TELECOMUNICAÇÕES E NA INFRAESTRUTURA DIGITAL

A partir da comparação entre os cenários espanhol e brasileiro, o blackout Ibérico de 2025 foi um evento complexo com um rápido desdobramento. Para melhor compreensão, o sequenciamento dos fatos é apresentado na Tabela 1.

Tabela 1: Sequenciamento de Eventos do Apagão Ibérico de 28 de abril de 2025

Hora AproximadaEventoImpactoFonte Principal
Início da manhã (28/04)Registro de falhas na geração de energia no sul da Espanha. Desconexão automática das linhas de corrente alternada entre França e Espanha.Perda estimada de 2.200 MW. Desconexao ativada por dispositivos de proteção contra perdas de sincronismo.ENTSOE (2025)
Minutos depoisColapso completo de toda a rede elétrica Ibérica.Usinas movidas a gás desativadas; fontes renováveis (solar, eólica, hidrelétrica) continuam operando.ENTSOE (2025); REE (2025)
Pós-colapsoAfeta Andorra e partes da França; telefonia móvel local, fibra óptica comprometidas. Redes móveis em Portugal sofrem severas restrições (especialmente chamadas de voz).Abastecimento de água afetado em regiões como a Catalunha. Tráfego de internet em Portugal cai pela metade, atingindo 90% de queda em cinco horas.Aladern (2025); Rossi (2025); Belson (2025).
Pós-colapsoRepercussão internacional: Provedores de Internet (ex: Orange) relatam falhas.Quedas breves de energia em Reino Unido, Países Baixos, Itália, Alemanha, Bélgica.Faouzi (2025)
Pós-colapsoOperadora Tusass (Groenlândia) perde contato com equipamentos em Maspalomas (Espanha).Afeta serviços de Internet, telefonia, televisão e rádio em regiões remotas da Groenlândia.Reuters (2025)
Dia 29/04Quase todas as regiões da Espanha e Portugal retomam o fornecimento de energia.Lojas com prateleiras vazias; autoridades intensificam presença de forças de segurança; apelo para evitar uso de celulares e viagens desnecessárias.Rossi (2025)

Fonte: Adaptada de Aladern (2025); Belson (2025); ENTSOE (2025); Faouzi (2025); Rossi (2025); Reuters (2025); REE (2025). 

Considerando as investigações e medidas institucionais sobre o ocorrido, em 1º de maio de 2025, a Red Eléctrica da Espanha concluiu a entrega de todos os dados técnicos referentes ao apagão ocorrido em 28 de abril, conforme solicitado pela Comissão responsável pela análise da crise elétrica [5]. O que reverberou no anúncio, no dia 9 de maio de 2025, sobre a criação de um Painel Conjunto de Especialistas para investigar o incidente [4].

O ponto de ruptura iniciou com quedas em usinas solares no sudoeste da Espanha. Com 80% da energia vindo de fontes renováveis, menos adaptáveis a variações, a rede demonstrou falta de capacidade de resposta em tempo real, não de geração. O desafio é garantir a estabilidade e flexibilidade do sistema [9].

Além disso, serviços da Red Eléctrica indicaram que a desconexão com a rede francesa contribuiu significativamente para o agravamento do desequilíbrio, acelerando a queda final do sistema [5].

A relevância crítica da Internet via satélite ficou evidente durante o apagão que atingiu a Europa no último mês, quando a interrupção na eletricidade gerou caos em transportes e telecomunicações. Nesse contexto, segundo o The Financial Times, o serviço de Internet via satélite Starlink registrou um aumento de 35% em seu uso quando a cobertura de telecomunicações caiu nessa região, com a Espanha apresentando um crescimento de 60% na demanda [10]. 

3 O BRASIL NO CENÁRIO DAS TELECOMUNICAÇÕES: e se o apagão tivesse acontecido no Brasil? 

O Brasil vive uma expansão na transmissão de dados, com 16 sistemas de cabos submarinos ativos e capacidade de até 138 Tbps [11, 12]. Isso o posiciona como o segundo maior hub mundial de cabos ópticos, conectando a América Latina ao mundo [13]. Para proteger essa infraestrutura, conforme detalhado na Tabela 2, o país possui legislações que asseguram sua soberania nas telecomunicações. 

Tabela 2: Principais regulamentações âmbito das telecomunicações no Brasil

Principais regulamentaçõesImpactos
Lei Geral de Telecomunicações (LGT) – Lei nº 9.472, de 16 de Julho de 1997.Evita a dependência excessiva de empresas estrangeiras e assegura o interesse público.
Política Nacional de Segurança de Infraestruturas Críticas (PNSIC), aprovada pelo Decreto n º 9.573/2018.Estabelece diretrizes para proteger estruturas críticas  contra ameaças físicas e cibernéticas.
Regulamento de Segurança Cibernética aplicada ao Setor de Telecomunicações, aprovado pela Resolução nº 740/2020.Outorga que as operadoras adotem medidas mínimas de cibersegurança, o que auxilia na mitigação de riscos cibernéticos. 

Fonte: Adaptado de Brasil (1997); Brasil (2018); Brasil (2020).

O Brasil já vivenciou apagões anteriores, o que promove o discurso da necessidade de investimento em infraestrutura. O Plano Decenal de Expansão de Energia (PDEE) 2029, é um dos exemplos que demonstram a preocupação quanto a infraestruturas críticas e o sistema elétrico nacional. Assim, segundo o PDEE, em 2029, as fontes renováveis podem representar 48% da produção energética nacional e atrair investidores para o desenvolvimento da infraestrutura das telecomunicações, fortalecendo a soberania nacional [17]. 

Entretanto, apesar do empenho do PDEE, pode-se listar na tabela 3 alguns desafios para o setor de infraestrutura no Brasil. Tendo por definição de infraestrutura a estrutura básica que viabiliza o funcionamento da economia e possibilita o desenvolvimento das atividades humanas em seus mais diversos aspectos e dimensões [18].

Tabela 3: Desafios para o desenvolvimento do setor de infraestrutura no Brasil

Principais desafiosDescrição
Gargalos econômicosÉ necessário maior investimento econômico no setor, atualmente, segundo estudo do IPEA (2022) seriam necessários investimentos equivalentes a 4,31% do PIB anual. Porém, em 2020, a cifra foi de 1,7% do PIB.
InstabilidadeA baixa eficiência na formulação e na execução dos projetos atrelado à incerteza quanto a manutenção de fluxo contínuo de recursos.
Ausência de Marco Regulatório Ainda não existe marco regulatório com regras claras para gerar um ambiente de investimentos que reduza as incertezas e custos associados aos projetos é essencial. 
Participação do setor bancárioPouca atuação do setor bancário (público e privado) para financiar investimentos contínuos em projetos que promovam desenvolvimento de infraestruturas nacionais.

Fonte: Adaptado de IPEA (2022).

4 CONCLUSÃO

O blackout Ibérico de 2025 revelou a vulnerabilidade de infraestruturas críticas diante de falhas energéticas e a crescente dependência digital. A experiência enfatiza a urgência de estruturas híbridas de telecomunicações e a flexibilidade da rede como pilares da soberania nacional.

Para o Brasil, este evento serve como um alerta. É fundamental intensificar os investimentos em infraestrutura, aprimorar os marcos regulatórios e fortalecer a cooperação internacional. Priorizar a resiliência dos sistemas elétricos e de telecomunicações, especialmente na transição para fontes renováveis, é essencial para garantir a segurança e a estabilidade do país em face de futuros desafios.

REFERÊNCIAS:

[1] ALADERN, M. Última hora del apagón eléctrico a Catalunya y el Estado. Publicado em El Nacional em 28 abr. 2025. Disponível em: https://www.elnacional.cat/es/sociedad/apagon-general-en-catalunya-estado-directo-que-pasa_12361_126.html. Acesso em: 9 maio 2025.

[2] ROSSI, M. O que se sabe sobre enorme apagão que causou caos em Portugal, Espanha e outros países da Europa. Publicado em BBC Brasil em 28 abr. 2025 e atualizado em 29 abr. 2024. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cvgn7eyv0ngo. Acesso em: 9 maio 2025.

[3] CNN PORTUGAL. Os outros apagões que fizeram história: em 2000 uma cegonha, em 2021 um hidroavião. Em 2025 ainda não se sabe. Lisboa, 28 abr. 2025. Disponível em: https://cnnportugal.iol.pt/apagao/2025/os-outros-apagoes-que-fizeram-historia-em-2000-uma-cegonha-em-2021-um-hidroaviao-em-2025-ainda-nao-se-sabe/20250428/680fc417d34e3f0bae9d7948. Acesso em: 5 jul. 2025.

[4] ENTSOE. Expert panel initiates the investigation into the causes of Iberian blackout. Publicado em ENTSOE em 09 mai. 2025. Disponível em: https://www.entsoe.eu/news/2025/05/09/entso-e-expert-panel-initiates-the-investigation-into-the-causes-of-iberian-blackout/. Acesso em: 9 maio 2025.

[5] RED ELÉCTRICA DE ESPAÑA (REE). Proceso de recuperación de la tensión en el sistema eléctrico peninsular. Publicado em REE em 28 abr. 2025. Disponível em: https://www.ree.es/es/sala-de-prensa/actualidad/nota-de-prensa/2025/04/proceso-de-recuperacion-de-la-tension-en-el-sistema-electrico-peninsular. Acesso em: 9 maio 2025.

[6] BELSON, David. How the April 28, 2025, power outage in Portugal and Spain impacted Internet traffic and connectivity. Publicado em The Cloudflare Blog em 28 abr. 2025. Disponível em: https://blog.cloudflare.com/how-power-outage-in-portugal-spain-impacted-internet/. Acesso em: 3 maio 2025.

[7] FAOUZI, Adil. Orange Maroc internet service severely disrupted by Iberian power outage. Publicado em Morocco World News em 28 abr. 2025. Disponível em: https://www.moroccoworldnews.com/2025/04/194736/orange-maroc-internet-service-severely-disrupted-by-iberian-power-outage/ Acesso em: 28 abr. 2025.

[8] REUTERS. Greenland satellite services disrupted after Spanish power blackout. Publicado em Reuters em 29 abr. 2025. Disponível em: https://www.reuters.com/world/europe/greenland-satellite-services-disrupted-after-spanish-power-blackout-2025-04-29. Acesso em: 9 maio 2025.

[9] ENODE. The Iberian blackout: why activating flexibility is now critical infrastructure. Publicado em Enode em 6 mai. 2025. Disponível em: https://enode.com/blog/evolving-energy/the-iberian-blackout-why-activating-flexibility-is-now-critical-infrastructure. Acesso em: 9 maio 2025.

[10] JOHNSTON, Ian. Spanish electricity blackout drives use of Elon Musk’s Starlink. Publicado em The Financial Times em 04 mai. 2025. Disponível em: https://www.ft.com/content/c0e5dfa1-7543-4fb9-b46f-0c677e468e2b. Acesso em: 28 jun. 2025.

[11] BRASIL. Agência Nacional De Telecomunicações. Cabos Submarinos. Publicado em 02 ago. 2022 e atualizado em 10 out. 2022. Disponível em: https://www.gov.br/anatel/pt-br/dados/infraestrutura/cabos-submarinos. Acesso em: 10 de mai. 2025.

[12] MARIANO, Rogério. Cabos Submarinos no Brasil (Ecossistema de Interconexão). Azion. Disponível em: https://forum.ix.br/files/apresentacao/arquivo/1601/Apresentacao%20Rogerio%20Mariano.pdf. Acesso em: 10 de mai. 2025.

[13] BRASIL. Agência Espacial Brasileira. Satélites. Publicado em 05 mar. 2020 e atualizado em 17 out. 2023. Disponível em: https://www.gov.br/aeb/pt-br/acoes-e-programas/aplicacoes-espaciais/satelites. Acesso em: 10 de mai. 2025.

[14] BRASIL. LEI Nº 9.472, DE 16 DE JULHO DE 1997. Dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional nº 8, de 1995. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9472.htm. Acesso em: 10 de mai. 2025.

[15] BRASIL. Decreto nº 9.573, de 22 de novembro de 2018. Aprova a Política Nacional de Segurança de Infraestruturas Críticas (PNSIC). Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 23 nov. 2018. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/decreto/d9573.htm. Acesso em: 11 maio 2025.

[16] BRASIL. Agência Nacional De Telecomunicações (Anatel). Resolução nº 740, de 21 de outubro de 2020. Aprova o Regulamento de Segurança Cibernética Aplicada ao Setor de Telecomunicações. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 23 out. 2020. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-n-740-de-21-de-outubro-de-2020-284279067. Acesso em: 11 maio 2025.

[17] BRASIL. Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Plano Decenal de Expansão de Energia 2029. Disponível em: https://www.epe.gov.br/pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/plano-decenal-de-expansao-de-energia-2029. Acesso em: 11 maio 2025.

[18] ROCHA, Igor Lopes; RIBEIRO, Rafael Saulo Marques. Infraestrutura no Brasil: contexto histórico e principais desafios. In: SILVA, Mauro Santos (org.). Concessões e parcerias público-privadas: políticas públicas para provisão de infraestrutura. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 2022. cap. 1, p. 23-41. Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/11401/4/Concess%C3%B5es_e_Parcerias_Cap01.pdf. Acesso em: 7 jul. 2025. 

[19] INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). Infraestrutura no Brasil: características e desafios. Brasília: IPEA, 2022. Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/11462/1/Infraestrutura_Brasil_cap01.pdf. Acesso em: 11 maio 2025.

Sobre os Autores

  • Pesquisador no Centro de Estudos em Governança da Internet do Legal Fronts Institute. Mestrando em Tecnologias da Informação e Comunicação (UFSC), vinculado à linha de pesquisa em “Tecnologia, Gestão e Inovação”. Pós-graduado em Direito Tributário (Damásio Educacional) e em Gestão de Instituições Públicas (IFRO). Graduado em Administração (Unisul). Técnico do Seguro Social do Instituto Nacional do Seguro Social.

  • Pesquisador no Centro de Estudos em Governança da Internet do Legal Fronts Institute. Advogado, inscrito na OAB/SP n. 493.738, graduado em Direito pela instituição UniSALESIANO - Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium com bolsa integral concedida pelo ProUni - Programa Universidade para Todos, onde também foi pesquisador voluntário do PIBIC- Programa de Institucional de Bolsas de Iniciação Científica. Atualmente é pós-graduando em Direito e Processo do Trabalho na ESA- Escola Superior de Advocacia de São Paulo. Possui vasto conhecimento sobre LGPD e pesquisa sobre implicações da utilização de Inteligência Artificial, tendo como foco a discriminação algorítmica e impacto da IA no mercado de trabalho.

  • Pesquisadora no Centro de Estudos em Governança da Internet do Legal Fronts Institute. Mestre em Gestão e Administração Pública pela Universidad de Cádiz, com especialização em Regulação e Governança da Internet pela Universidad de Mendoza. Ver a governança da Internet como um campo onde convergem suas paixões por pesquisa, direitos humanos e tecnologia. Atualmente, atua como vice-coordenadora do Accessibility Standing Group da Internet Society.

  • Graduanda em Direito pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Bolsista de Iniciação Científica do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica da UERN. Integrante do projeto de ensino de graduação “Ius Minori: Construindo uma Proposta de Tribunal Aplicado à Criança” (UERN). Foi vice-presidente da Apex Empreendedorismo e Soluções Jurídicas e co-fundou a Liga Acadêmica de Direito Internacional (LADI), vinculada à UERN.

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