TSE, desinformação e abuso de poder econômico nas propagandas eleitorais

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A Justiça Eleitoral combate abuso de poder econômico e desinformação nas eleições, regulando propaganda online e offline. Resoluções do TSE e leis visam garantir igualdade entre candidatos, coibir fake news e preservar a integridade do processo eleitoral e da democracia brasileira.

Publicado originalmente no JOTA.

Durante o período eleitoral, é comum e esperado que os candidatos se manifestem, mostrando suas propostas políticas para conquistar os eleitores. Essas manifestações ocorrem nos mais diversos meios (presencialmente, na rádio, na televisão e na internet), todos eles regulamentados pela legislação eleitoral.

No entanto, os candidatos não podem se expressar de forma ilimitada, violando outros direitos. Nesse sentido, um dos principais objetivos da Justiça Eleitoral é preservar a igualdade dos candidatos, evitando a configuração de abuso de poder por parte deles, incluindo a vedação de produção e compartilhamento de conteúdo desinformativo.

O abuso de poder pode se manifestar de diversas formas. A presente análise destaca dois tipos de abuso de poder comuns no contexto eleitoral: abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação social. O abuso de poder econômico é definido como:

[…] utilização excessiva, antes ou durante a campanha eleitoral, de recursos materiais ou humanos que representem valor econômico, buscando beneficiar candidato, partido ou coligação, afetando assim a normalidade e a legitimidade das eleições (grifos nossos).

Ocorre quando uma das partes, que possui recursos econômicos significativos, produz, distribui ou compra algo (produto ou serviço) que seja relacionado à eleição. Uma das formas de fazer isso é, por exemplo, utilizando robôs, contas falsas ou remunerando financeiramente grupos e indivíduos para criar e compartilhar notícias inverídicas.

Sobre o uso indevido dos meios de comunicação, sabe-se que a mídia é responsável por prover informações das mais diversas aos cidadãos, o que ocorre de forma ainda mais relevante durante o período eleitoral. O uso indevido ocorre quando há um abuso, por exemplo, quando as informações são apresentadas ao público de modo manipulativo ou desigual. Compreende-se que a mídia pode se posicionar de maneira favorável a uma candidatura. No entanto, há um “impedimento de que assumam uma postura que caracterize propaganda eleitoral em favor de candidato”[1].

Nos últimos anos, o ambiente digital (principalmente através das redes sociais e dos aplicativos de mensagens) tem se tornado um meio relevante para que os candidatos e partidos políticos entrem em contato com seus possíveis eleitores.

No entanto, há diversas regras específicas para a propaganda eleitoral na internet, que devem ocorrer nos sites dos próprios candidatos, do partido ou coligação; por mensagens; blogs e redes sociais (art. 57-B, Resolução TSE 23.610/2024). Em cada um desses casos, há exigências específicas previstas na Lei das Eleições (Lei 9.504/1997) e na própria Resolução do TSE sobre propagandas eleitorais (Resolução TSE 23.610/2024).

Assim, não se aceita que a desinformação seja promovida no ambiente digital, comprometendo a integridade do processo eleitoral brasileiro. A integridade das eleições é extremamente relevante, sendo prevista na Constituição Federal brasileira de 1988, art. 14, §9º, que estabelece a necessidade de proteger “a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico”[2].

Assim, deve-se evitar que informações falsas, equivocadas, parciais ou descontextualizadas sejam apresentadas com fins de obter, para um candidato específico, vantagens injustas.

Sabe-se que, apesar das manifestações feitas pelos candidatos serem amplas e ancoradas no direito à liberdade de expressão, nem todas as manifestações em período eleitoral são legais e permitidas pelo nosso ordenamento jurídico. No Brasil, as leis eleitorais e a Justiça Eleitoral brasileiras (inclusive por meio do Tribunal Superior Eleitoral) agem de modo a preservar a igualdade e a justiça para todos os candidatos(as) durante as eleições. Há inúmeras definições e estipulações legais sobre o que é permitido e o que é vetado nos períodos eleitorais.

O Código Eleitoral (Lei 4.737 de 1965) esclarece, por exemplo, que a divulgação de fatos sabidamente inverídicos (na propaganda eleitoral ou durante o período de campanha eleitoral) em relação a partidos ou candidatos e que tenham a capacidade de influenciar o eleitorado é crime (art. 323). O artigo 237 também prevê que o abuso do poder econômico, em desfavor da liberdade do voto, será coibido e punido.

O TSE também vem atuando contra a desinformação e o abuso de poder econômico em suas Resoluções. Na Resolução 23.735/2024, o TSE define os crimes eleitorais, incluindo o abuso de poder. Segundo o artigo 6º, §3º, o uso de aplicações digitais de mensagens instantâneas que promovam disparos em massa com desinformação, falsidade, inverdade ou montagem pode ser considerado como abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação social.

O §4º do mesmo artigo prevê que a utilização da internet para difundir informações falsas ou descontextualizadas sobre (i) o adversário; (ii) o sistema eletrônico de votação e (iii) a Justiça Eleitoral pode configurar uso indevido dos meios de comunicação e, a depender do caso, abuso de poder econômico. Segundo o artigo 7º, para que o ato abusivo seja configurado, não é considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado das eleições, mas a gravidade das circunstâncias dos casos, incluindo os aspectos qualitativos e quantitativos, segundo o parágrafo único.

A Resolução 23.610/2019 dispõe sobre propaganda eleitoral e traz várias previsões relevantes. O artigo 28, §7º-A, por exemplo, prevê que o impulsionamento de conteúdo online somente pode ser feito para promover ou beneficiar candidaturas. Assim, não pode haver impulsionamento para a realização de propaganda negativa, que vise prejudicar candidaturas. Caso ocorram, pode haver apuração de abuso de poder (art. 28, §7º-C).

Segundo o seu artigo 9º-C, veda-se a utilização de conteúdos fabricados ou manipulados que visem a difusão de fatos notoriamente inverídicos ou descontextualizados, os quais tenham potencial de causar danos ao equilíbrio do pleito ou à integridade do processo eleitoral. O seu descumprimento configura abuso do poder político, sendo cabível a apuração das responsabilidades de acordo com o artigo 323 do Código Eleitoral (§2º) e do artigo 22 da Lei Complementar 64 (art. 10, §3º).

Por fim, a Resolução 23.714/2022 é sobre desinformação que atinja a integridade do processo eleitoral e já foi considerada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Na decisão do STF[3], o relator, ministro Edson Fachin, afirmou que o processo eleitoral deve seguir o seu processo regular, sem a influência do poder econômico. A influência, quando abusiva, torna o processo eleitoral menos democrático, menos livre e menos independente, já que a desinformação afeta o direito à informação e a própria existência de uma verdade compartilhada na sociedade brasileira.

Um caso recente ocorreu quando o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo manteve a suspensão de perfis das redes sociais de Pablo Marçal, então candidato à Prefeitura de São Paulo. A ideia da suspensão é garantir a regularidade e a isonomia do processo eleitoral.

Segundo o acórdão[4], a investigação está analisando a suposta prática de monetização do candidato, que poderia configurar abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação social, pela utilização irregular de cortes em vídeos para aumentar e impulsionar as publicações do candidato.

Assim compreende-se que, em regra, a Justiça Eleitoral e o TSE vem atuando para evitar o abuso de poder econômico no contexto eleitoral. A ideia é evitar que haja desigualdade nas eleições, ou seja, que os candidatos tenham condições justas de concorrerem, a despeito das suas diferentes condições de poder econômico. Busca-se também evitar que essas condições de poder diversas sejam utilizadas para criar e disseminar conteúdos eleitorais falsos, comprometendo a integridade do processo eleitoral brasileiro.

Confira mais informações sobre a atuação do TSE sobre a desinformação e suas resoluções no volume 1 e no volume 2 da Cartilha publicadas pelo Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da FGV Direito Rio.


[1]Ac. de 12.2.2019 no RO nº 250310, rel. Min. Jorge Mussi;no mesmo sentido oAc. de 26.4.2018 no AgR-RO nº 317093, rel. Min. Jorge Mussi.Disponível em:https://temasselecionados.tse.jus.br/temas-selecionados/inelegibilidades-e-condicoes-de-elegibilidade/parte-i-inelegibilidades-e-condicoes-de-elegibilidade/abuso-de-poder-e-uso-indevido-de-meios-de-comunicacao-social. Acesso em: 24 set. 2024.

[2]Nesse sentido, a Lei Complementar nº 64 de 1990, estabelece, de acordo com o supracitado artigo da Constituição, os casos de inelegibilidade. O seu artigo 22 detalha como ocorrerá a investigação judicial para apurar o uso indevido dos meios de comunicação e o abuso de poder econômico.

[3]BRASIL. Supremo Tribunal Federal.Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7.261. Acórdão Brasília/DF. Relator Min. Edson Fachin. Julgamento: 05/03/2024. Disponível em:https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15365041617&ext=.pdf. Acesso em: 24 set. 2024.

[4]BRASIL. TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO ESTADO DE SÃO PAULO. Acórdão no Mandado de Segurança Cível (120) – 0600348-97.2024.6.26.0000 – São Paulo – São Paulo (julgado em conjunto com o Agravo Regimental). Disponível em:https://consultaunificadapje.tse.jus.br/#/public/resultado/0600348-97.2024.6.26.0000. Acesso em: 30 set. 2024.

Sobre o Autor

  • Doutora em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Foi Research Fellow pelo Weizenbaum Institut (Alemanha). Mestre em Direito e Inovação pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Graduada em Direito pela UFJF, com período de intercâmbio acadêmico na Università degli Studi di Camerino (Itália). Pesquisadora no projeto "Governança de Plataformas Digitais" do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da FGV Direito Rio e no Legal Fronts Institute.

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