Há anos utilizo dispositivos que captam minhas ondas cerebrais para ampliar o foco no trabalho e aprofundar a meditação. Não é terapia nem medicina, mas um wearable de interface cérebro-computador (BCI). Esse tipo de tecnologia, já amplamente comercializada, potencializa produtividade e bem-estar. A questão central é: como garantir que ela fortaleça a humanidade, em vez de nos reduzir a dados exploráveis ou meras unidades econômicas?
Em 24 de setembro de 2025, os senadores americanos Chuck Schumer, Maria Cantwell e Ed Markey apresentaram uma iniciativa legislativa: o Management of Individuals’ Neural Data Act (MIND Act). Esse projeto não visa proíbir as BCIs nem freiar inovações como as da Emotiv ou da Neuralink; ele orienta a Comissão Federal de Comércio (FTC) a investigar como os dados neurais são coletados, processados e monetizados, e se estamos próximos de práticas que manipulem escolhas com precisão invasiva. Nos Estados Unidos, vale lembrar, quatro estados, Colorado, California, Montana e Connecticut já aprovaram leis que tratam dados neurais como dignos de uma proteção específica.
O MIND Act é um projeto salutar que visa examinar como dados neurais, informações de atividade cerebral ou sinais que podem revelar pensamentos, emoções ou padrões de tomada de decisão, e outros dados relacionados devem ser protegidos para coibir violações de privacidade e exploração abusiva, construindo confiança pública à medida que a neurotecnologia avança rapidamente.

No Brasil, também avançamos. No Observatório de Neurodireitos do Legal Grounds Institute, agora Legal Fronts Institute, colaborei com Amanda Smith Martins na redação da proposta para incluir os neurodireitos como direitos da personalidade no Livro de Direito Digital do Código Civil, em tramitação. Essa proposta reconhece os dados neurais como elementos intrínsecos à dignidade humana, garantindo proteção contra usos indevidos e assegurando o controle individual sobre esses dados.
O Brasil, com sua ampla adoção tecnológica e população jovem, é um polo estratégico para inovações neurotecnológicas, como evidencia o recente webinar com a Emotiv, que discutiu parcerias para desenvolver soluções de consumo éticas. Esse mercado, em franca expansão, será sustentável apenas com regulação clara, ética e responsável.
A neurotecnologia oferece avanços revolucionários. Já testemunhei tiaras de EEG reduzirem ansiedade em tempo real para pessoas avessas à terapia convencional, wearables que orientam a respiração em crises de pânico e headsets que permitem a programadores com deficiência criar aplicativos diretamente com a mente. Esses dispositivos também coletam “outros dados relacionados”, como frequência cardíaca e padrões de rastreamento ocular, que, segundo o MIND Act, são informações biométricas, fisiológicas ou comportamentais capazes de revelar estados mentais, emocionais ou cognitivos. Aos que duvidam do impacto e das aplicações já viáveis dessas tecnologias, convido a explorar suas possibilidades com mente aberta.
O MIND Act propõe: regular para impedir vigilância abusiva e manipulação de dados cerebrais. No Brasil, afirmamos: inovar com regulação integrada, fortalecendo o mercado neurotecnológico, pavimentando novos caminhos éticos e garantindo que a tecnologia sirva à promoção da autonomia humana.
Críticos podem indagar: por que criar novos direitos se a LGPD já protege dados? Simples: o cérebro humano não é uma planilha. Frequência cardíaca, rastreamento ocular, tom de voz: esses elementos não parecem sensíveis até que uma IA os combine em perfis que preveem comportamentos ou vulnerabilidades. O MIND Act enfrenta essa questão, propondo que a Comissão Federal de Comércio investigue como dados neurais, capazes de revelar pensamentos, emoções ou padrões de decisão, são coletados e monetizados, visando coibir riscos de manipulação.
Imagine uma startup em São Paulo desenvolvendo fones de ouvido BCI para potencializar o foco. Sem regulação clara, os dados neurais coletados podem ser explorados, violando a autodeterminação informacional. Com padrões éticos claros e com a positivação dos neurodireitos, essa startup pode crescer, exportar e atrair investimentos, garantindo transparência ao responder: “Como meus dados cerebrais estão sendo usados e protegidos?” Isso não é limitação, mas a base para um mercado neurotecnológico ético e juridicamente sólido.
O MIND Act não nos obriga, mas nos inspira a liderar. A proposta de positivação dos neurodireitos no Livro de Direito Digital do Código Civil, em tramitação, representa um potencial marco normativo federal, reconhecendo sinais cerebrais como extensões da nossa identidade. Essa iniciativa se complementa à PEC 29/2023, que busca assegurar a integridade mental e a transparência algorítmica no desenvolvimento científico e tecnológico na Constituição Federal, e ao Radar Tecnológico da ANPD de junho de 2025, que alerta para riscos em neurotecnologias e propõe governança específica para neurodados; juntos, eles compartilham o objetivo comum de garantir a proteção da mente humana no Brasil. Assim, atrairemos inovação responsável e fortaleceremos nossa posição no debate global, ao lado de iniciativas como as do Chile e da OCDE.
A neurotecnologia aprimorou minha concentração no trabalho e serenidade na meditação, demonstrando seu potencial para fortalecer a autonomia e o desempenho individual. Mas essa experiência pessoal é modesta ante o vasto potencial latente e os usos atuais das neurotecnologias, que abrangem aplicações médicas para tratar distúrbios neurológicos, entretenimento imersivo, melhoria cognitiva em ambientes educacionais e profissionais, e até usos militares em interfaces de controle avançadas. Esse futuro, porém, exige um compromisso ético inegociável: proteger a dignidade da pessoa humana. O MIND Act aponta um caminho viável, com transparência e responsabilidade. Cabe ao Brasil responder com liderança, consolidando os neurodireitos como alicerce de um mercado neurotecnológico ético e inovador, e mostrando ao mundo, em português, que estamos na vanguarda da proteção da mente humana.
A opinião dos autores não representa necessariamente a posição do Legal Fronts Institute sobre o tema, cabendo aos autores a responsabilidade sobre o artigo.



